segunda-feira, novembro 30, 2009

Velada de Almas, em véspera da Perda da Independência

VELADAS D’ARMAS E D’ALMAS

À memória do 1.º cabo, António de Oliveira
Paulino, meu devoto e sempre lembrado
condutor-auto.


1.

A dois dedos da madrugada
me adianto
para o camarada
morto — e canto, canto

como quem aponta uma espada
ao espaço do próprio espanto!...

Fixar-lhe a face fechada
é agasalhá-lo no manto
do tempo que arrecada
e cujo tampo levanto

É calcorrear uma estrada
com memórias a cada canto,
entoar a mais bela balada
do desencanto.

E não há nada
que valha tanto!

A dois dedos da madrugada
— canto!, canto…
Camarada:
Em pranto, canto!

2.

Quedou sempre manhã cedo
Na vida do camarada
Que o degredo não degrada,
Vem a medo, bem-amada

E singra e sangra em segredo
(E singra e sangra, sagrada)

3.

Pelas alturas se altera
Que outra vida o persuade
A ficar, em sonho, à espera
— À espera da eternidade…

Hoje é indício de enseadas
Além-Morte (A Morte vence-o,
Com o cilício e as ciladas
Do seu solene silêncio…)

4.

Agora, ei-lo a sós
Por trás da muralha
Do sono, e da voz
Que o silêncio agasalha

Da guerra descansa,
Em paz — tal maré
Sobre quem só é lembrança
Ou mais que lembrança é.

5.

Moída mais que por mós
A memória dá recado
De um coração que por nós
Bate apesar de enterrado.

Concha do chão, sonho a sós,
Na morte o encontro marcado
Do silêncio com a voz,
Do presente com o passado.

Veio a noite, e a paz após.
De vala a vala embalado,
Ali jaz, sono sem foz,
Em solidão o soldado

Atrás do remorso atroz
Que punge e chaga do lado
De um coração que por nós
Bate apesar de enterrado…

Pela dádiva desmedida
Do eterno camarada

Levo o tempo de vencida
E trago na minha vida
A morte dele hospedada!

Rodrigo Emílio

3 comentários:

  1. João Lello1:18 da tarde

    24 de Abril de 1974
    Poema do maior poeta português, retirado do blog de um amigo.

    Portugal Ressuscitado
    (Caxias, 26 de Abril de 1974)
    Depois da fome, da guerra
    da prisão e da tortura
    vi abrir-se a minha terra
    como um cravo de ternura.
    Vi nas ruas da cidade
    o coração do meu povo
    gaivota da liberdade
    voando num Tejo novo.
    Agora o povo unido
    nunca mais será vencido
    nunca mais será vencido
    Vi nas bocas vi nos olhos
    nos braços nas mãos acesas
    cravos vermelhos aos molhos
    rosas livres portuguesas.
    Vi as portas da prisão
    abertas de par em par
    vi passar a procissão
    do meu país a cantar.
    Agora o povo unido
    nunca mais será vencido
    nunca mais será vencido
    Nunca mais nos curvaremos
    às armas da repressão
    somos a força que temos
    a pulsar no coração.
    Enquanto nos mantivermos
    todos juntos lado a lado
    somos a glória de sermos
    Portugal ressuscitado.
    Agora o povo unido
    nunca mais será vencido
    nunca mais será vencido.

    José Carlos Ary dos Santos

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  2. E se o chato não for chato
    e apenas cão sem coleira?
    E se o copo for de sopa?
    Não é um copo é um prato
    não é um cão é literato
    que anda sem eira nem beira
    e não ganha para a roupa.
    ABRIL SEMPRE
    E se o prato for de merda
    E se o literato for de esquerda?
    Parte-se o prato que é caco
    mata-se o vate que é cão
    e escrevemos então
    parte prato sape gato
    vai-te vate foge cão.
    Assim se chamam as coisas
    pelos nomes que elas são.
    Ary dos Santos

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  3. ABRIL SEMPRE

    Poeta castrado, não!

    Serei tudo o que disserem
    por inveja ou negação:
    cabeçudo dromedário
    fogueira de exibição
    teorema corolário
    poema de mão em mão
    lãzudo publicitário
    malabarista cabrão.
    Serei tudo o que disserem:
    Poeta castrado não!

    Os que entendem como eu
    as linhas com que me escrevo
    reconhecem o que é meu
    em tudo quanto lhes devo:
    ternura como já disse
    sempre que faço um poema;
    saudade que se partisse
    me alagaria de pena;
    e também uma alegria
    uma coragem serena
    em renegar a poesia
    quando ela nos envenena.

    Os que entendem como eu
    a força que tem um verso
    reconhecem o que é seu
    quando lhes mostro o reverso:

    Da fome já não se fala
    - é tão vulgar que nos cansa
    mas que dizer de uma bala
    num esqueleto de criança?

    Do frio não reza a história
    - a morte é branda e letal
    mas que dizer da memória
    de uma bomba de napalm?

    E o resto que pode ser
    o poema dia a dia?
    - Um bisturi a crescer
    nas coxas de uma judia;
    um filho que vai nascer
    parido por asfixia?!
    - Ah não me venham dizer
    que é fonética a poesia!

    Serei tudo o que disserem
    por temor ou negação:
    Demagogo mau profeta
    falso médico ladrão
    prostituta proxeneta
    espoleta televisão.
    Serei tudo o que disserem:
    Poeta castrado não!
    Ary dos Santos

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