Como calculava o bom do Bruno topou logo a "novidade" e deu-nos logo - loguinho - umas estrofes dessa maravilhosa saga do Marcelo a que tivemos direito...
Bem se cantava nessa época: "Marcelo há só um, Mastroiani e mais nenhum"
Mas ele lá foi ficando até ajudar a dar cabo de tudo. E depois ainda chorou...
Mas eu vou contar um bocadinho da história que envolve este poema saga.
No café Avis, ali nos Restauradores reuniam-se diariamente algumas tertúlias literárias, politico-literárias e/ou de maledicência. Também era (nas mesas da frente que davam para a Praça) o local de encontro dos sportinguistas.
Numa das mesas quem se sentava? Pois nem mais do que o bom do Tomás de Figueiredo, o muito nosso Goulart Nogueira e quantas vezes o Rodrigo Emílio.
E eu, "puto" por ali andava a circular entre as mesas, entre as conversas. Um dia (já em plena marcelice) ouço uma frase que me deixou banzado. Tomás de Figueiredo clamava: "este gajo (o marcelo) ainda me vai fazer salazarista". Como sabem Tomás para além da sua costela monárquica (logo não perdoando a Salazar a República) tinha um contencioso também provocado pela prisão do seu filho às ordens da PIDE, por pertencer à célula cultural do PCP dirigida pelo Dias Coelho. Os pinotes que ele deu quando o seu rebento foi "dentro". Até Salazar foi metido ao barulho e cortesmente fez ver ao escritor que havia provas irrefutáveis da acção do pimpolho lá no partido. Mas nem assim. O ódio ficou para todo o sempre. Daí o meu espanto (e do Rodrigo, esse sim intimissimo de TF) pelo teor da frase.
Até que um dia em que se dizia de Marcelo o que Maomé não disse do toucinho, Tomás de Figueiredo rapa da caneta e no papel que cobria a mesa começou a escrever a primeira estrofe desta saga. Quando acabou leu-a em voz alta e voltando-se para o Goulart disse-lhe: vamos fazer uma desgarrada a 4 mãos. Continua tu.
E o Goulart continuou.
E nos dias que se seguiram lá saiam duas estrofes diárias, ora um, ora outro, passando a bola, com algumas maldades pelo caminho para tornar mais difícil a continuação.
E por fim, lá se considerou acabada a obra.
Logo alguns malfeitores aproveitaram para a passar à máquina, com original e 4 químicos. Saíram assim daquela forja algumas centenas de cópias. Foi um sucesso. Todos queriam a sua cópiazinha. Amândio que assistiu à sua manufactura fez distribuir largas dezenas de cópias. Natália Correia "exigiu" só para ela uma cinco cópias.
Marcelo teve conhecimento. Ficou danado. César Moreira Baptista, exigiu saber quem era o autor: pensou-se no Goulart, no Rodrigo, no Amândio, no António Lopes Ribeiro, etc. Só ninguém se lembrava do nosso Tomás de Figueiredo.
Houve ameaças de retaliação contra os presumíveis facínoras. Foi um fartum. Mário César Ferreira, escritor de mérito e Inspector da PIDE também foi metido ao barulho para investigar quem era o "facínora". E ele que estava na mesa contígua, na tertúlia ao lado, declarava alto e bom som que nem fazia ideia e (mais ainda) que não conseguia detectar (pelo género literário) o autor.
Enfim foi um forrobodó, que deixou a marcelagem toda em fúria.
E esta é a pequena história de uma saga (à mesa do Avis) plantada, com um grande gozo de todos a que ela assistiram.
Daí a minha muito grande pena da presumível perda (para todo o sempre) desta jóia da "poesia de escárnio e mal-dizer do século XX português. E ainda por cima escrita pelos dois vultos que lhe deram a forma e o conteúdo.
Por isso a minha alegria. Quanto mais não fosse por isto já valeu a pena eu ter-me metido nesta aventura blogosférica.
8 comentários:
Grande história! E o rancor da criatura contra tudo o que lhe beliscasse a imagenzita era mais do que característico.
Ab.
Fomos desafiados lá em baixo a adivinhar os autores de cada verso da «Marcelírica». Estes exercícios são sempre penosos. Estrofes inteiras serão da responsabilidade de um deles; noutros casos, presumo que as terão escrito ambos verso a verso, às vezes havendo o dedo dos dois no mesmíssimo verso. É assim difícil, senão impossível, dizer o que é de um, o que é de outro, e o que é dos dois. Digo eu, que não assisti à produção do poema. Mas ainda assim, por respeito ao bloguista e ao talento dos dois autores, vou deixar aqui na caixa as minhas asneiradas.
A ideia de expor o nome do Marcelo às camadas («Marcelo José das Neves / Das Neves Alves Caetano»), digamos assim, trocando-o, adulterando-o, translineando-o, como se fosse uma panqueca aos saltos sobre a frigideira, parece-me do Tomás. E fá-lo com uma quadra de rima cruzada (a-b-a-b). É a primeira e última vez que o poema apresenta tal rima. O Goulart 'responderá' com rima emparelhada (a-a-b-b) e, a partir daí, todo o poema apresenta tal estrutura, que de resto se adapta melhor ao esquema do "desafio" e às "malandrices". Daí para a frente, de facto, só variará a estrutura das estrofes, muito diversas, do dístico à sétima.
Julgo que é também do Tomás o seguinte passo: «Apoiaste o reviralho / Ó meu cara de trabalho». E aquele «Marcelo, mar de marmelo» atribuo-o também, mas com dúvidas, ao Tomás.
Mas já me parece indisputavelmente do Goulart aquela estrofe que se inicia com «E tu, que tens cor de velha» e termina «Com pontapés ú-ú-ú».
Filio também no Tomás os versos «Meu vento pífio amarelo» e «Do arejo sai um odor / Cada vez pior, pior.» Cheiram-me ambos os passos ao grande Tomás.
Diz o José Carlos que os dois autores, neste desafio, neste jogo de passar a bola, cometeram "algumas maldades pelo caminho para tornar mais difícil a continuação". Será o caso da sétima que termina deste feitio:
«(...) Marcelo, burro com sela,
Tochinha, pequena vela,
Toucinho, magro presunto!»
O autor termina a estrofe com a rima em –unto, limitando consideravelmente as opções do respondedor. Entre: assunto, defunto, unto, presunto, conjunto e bestunto, a coisa prosseguiu do modo mais apropriado: «Marcelo cheira a defunto», fazendo-se a correspondência aromática com as palavras "porcarias", "cheirete" e "odor", que aparecem uns versos acima.
No final, há duas construções muito semelhantes, com o macerado Marcelo a ser agredido quase palavra a palavra, as palavras atiradas uma a uma como se fossem calhaus, numa construção aliterante.
O primeiro desses grupos é o seguinte, com curiosas aliterações em "p":
«Marcelo José Compota,
Meu marmelada, anedota,
Galinha, pita, pitada,
Cisco de chefe, patada.
Pata, pita, pêta, pé,
Marcelo Alves José (...)»
O segundo grupo aprsenta aliterações em "m":
«Marcelo, mar de papalvos,
Marcelo, chá de macela,
Macela, massa, mistela,
Maçudo, mu, mamarracho,
Maço, mula, mala, tacho (...)»
Um examinador desprevenido atribuirá a paternidade dos dois grupos ao mesmo autor, por analogia. Parece-me, no entanto que o primeiro deles foi escrito pelo Tomás e o segundo pelo Goulart.
Gostaria de prosseguir o exame e o "jogo da adivinhação" com mais vagar. Mas não posso. Assim numa primeira leitura, sem tempo para rever as 'asneiras', é o que se pode arranjar. Espero que leves em conta tal facto na hora de anunciar os resultados do concurso!
Ab.
Safa! Que Notável Detective Literário me saíste!
Abraço
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