sexta-feira, março 28, 2008

Carteando-me com o Rodrigo Emilio


(Rodrigo Emílio na sua muito "Thule-do")


Meu Caro:

Senti hoje uma urgência imperiosa e absoluta de te enviar uma carta. Faz anos, muitos anos que te não escrevo. Pela primeira vez faço apelo a um teclado, prescindindo do enorme prazer que me dava o suave escorrer da velha Montblanc pelo papel. Não é a mesma coisa, não, mas a tirania da actualidade impõe-se.

E senti a necessidade de escrever porque faz hoje quatro (longos, longuíssimos) anos que pela última vez te vi. Poderia ser mais uma ausência (daquelas, das habituais...). Mas não desta vez era a sério. Sei que te despediste de mim com os olhos, de forma clara e directa, como era teu timbre. Não aguentei, tu bem viste, e baixei os olhos. Mas o mundo também é feito de fraquezas, e eu, como bem sabes, também tenho a minha dose (por vezes cavalar) de fraquezas (que não de baixezas, entenda-se).

Pois esta carta é apenas para te dar notícias, tal como quando estavas no teu exílio Beirão. Eu sei, que tu, daí onde estás, tens mirado (com o "solito" interesse) para este recanto com o teu proverbial "olho de águia".

Podes contudo não ter dado conta de tudo, por isso te escrevo. Mas vamos a factos.

Novidades últimas, frescas, fresquinhas. Todos me continuam a falar de ti, com imensas saudades. "Este país" continua na sua desenfreada queda para o abismo. A regorgitação da sargeta continua cada vez mais intensa. O cheiro é pestilento (cada vez mais pestilento - nem os cadáveres em decomposição são capazes de ombrear no olor).

Muita gente nova te tem "encontrado". Os mais velhos continuam fiéis. Nesta terça feira estive com um estrangeiro que cá veio para estudar. Falou-me de ti com grande admiração. Desconhecia por completo a tua obra e a tua vida. E está encantado. Ou seja (hoje, mais que ontem e muito mais do que anteontem) estou absolutamente convencido de que nunca serás esquecido. Mesmo com todos os boicotes, com todas as inimizades, com todos os jogos de cintura. Omito-te (se me dás licença) algumas "partes gagas" de alguns que tu bem consideravas, mas que se cingem à tua figura lírica sem qualquer respeito pela totalidade do teu ser.

Também há uns precalços (temporários - tenho mais do que a certeza). A tua "Intifada Lírica" cuja edição eu aguçadamente esperava para hoje sofreu um pequeno "quiproquo". Mas que lá vai, vai. Se não for com as mãos vai com os pés, te garanto.

Como sabes sou dos priveligiados que já leram esse trabalho, por ti construído pedra a pedra, começando com a tua Pedra de Armas


que também é a tua sanguínea Pedra de Alma.

Resumindo, fazes-me falta. Aguardo o dia em que nos possamos rever e continuarmos as nossas charlas, noite dentro até ao fim do nosso fim.

Apostilha: Soube ontem que o Miguel Freitas da Costa vai dirigir a Guimarães Editora. Se não sabias aqui fica a informação. Por vezes os donos das empresas também acertam nas escolhas. Ainda bem. Ainda outra coisa, reparaset no postal do Nonas de hoje sobre ti. Se não viste, vai ver. Foi das coisas muito boas que ele escreveu. Como vês deixaste-o bem preparado.

Recebe um forte abraço deste teu antiquíssimo e sempre dedicado

José Carlos

3 comentários:

Vítor Ramalho disse...

O Rodrigo estará sempre presente pelas palavras que não se ausentam. Pela postura que nos guiará.

Quando eu morrer,
não haja alarme!
Não deitem nada,
a tapar-me:
— nem mortalha.

Deixem-me recolher
à intimidade da minha carne,
como quem se acolhe a um pano de muralha
ou a uma nova morada,
talhada pela malha
da jornada...

— E que uma lágrima me valha...!
Uma lágrima — e mais nada...

�ltimo reduto disse...

Um belo postal!

Anónimo disse...

Desde a Galiza, também lembramos ao nosso guerreiro-trovador, pois era máis que um poeta-soldado.
Sempre na nossa profunda admiraçâo, para o melhor de todos NÓS, um portugalego inigualável.
Os amigos de TERRA E POVO