segunda-feira, janeiro 07, 2008

1968 - Polémicas literárias ... e não só

A morte de Luiz Pacheco fez-me recordar muitas histórias dos anos 60. Neste caso do ano de 1968. Mete o Rodrigo Emílio, o Cesariny, o Luíz Pacheco, Fernando Ribeiro de Melo e outros.

Vale a pena lembra os factos.

Em 68 o editor Ribeiro de Melo depois de ter editado Sade e mais umas coisitas do género, que lhe deram fartos proveitos e algumas chatices com a moralidade vigente neste nosso país dos fins do salazarismo, resolve editar uma antologia dos contos fantásticos portugueses, em que, a par de algumas pessoas recomendáveis, se incluiam bastantes desclassificados das nossas letras.

Rodrigo Emílio, no Diário da Manhã de 6-5-1968, resolve - na sua crítica literária - pôr os pontos nos iis sobre este livrinho.

Reproduzo o texto, escrito, não nos esqueçamos, com 24 anos, (e observem como a maturidade do Rodrigo Emílio ainda não tinha atingido o seu esplendor!): Mas o seu espírito de polemista sem medo já lá estava...

"Lá que a ideia era boa, isso era. Excelente mesmo. Autêntico achado. Simplesmente a organização de uma «antologia», seja do que seja, quanto mais, ainda por cima, «do conto fantástico português», não é coisa para lembrar a qualquer e muito menos a editor-antologista que tem feito do escândalo o objectivo-mor e da perversão o fim em vista, por excelência, dos seus mal intencionados, dissolutos, objectos, deploráveis lançamentos, e outrossim instituído, como processos de acção cultural pretensamente vulgarizadora, uma ligeireza selectiva e uma incúria metodológica, abaixo de tudo.
Desta feita, ocorreu ao responsável pela casa – e fundador da colecção - «Afrodite», como é sabido, useiro e vezeiro em emissões atentatórias da moral pública, e fautor, por sistema, de trabalhos de recolha, de natureza mais que suspeita e de intuitos assaz duvidosos, a inspirada e fulgurante ideia de empreender o estabelecimento de um conspecto, consagrado inteiramente ao filão do «fantástico» encontrável no curso histórico da nossa prosa de ficção.
Tal iniciativa, se bem a ideou, muito mal, contudo, a veio a pôr em prática – como de resto era de esperar de pessoa literariamente tão mal formada e informada na matéria.
Assim, depois de meia dúzia de palavras incaracterísticas, alinhadas a despaupério em jeito de intróito, um longo séquito de nomes e de textos sobrevem – ao cabo e ao resto, muita parra e pouca uva no que se refere, claro, a «fantástico». Porque «fantástico» a valer, digno mesmo de antologiar, só em dezasseis das trinta e cinco peças coligidas afinal se vislumbra.
Acresce, como agravante, que mesmo em número tão digito de narrativas aceitavelmente «fantásticas», apesar de tudo algumas há, ainda assim, que representam deficiente ou, pelo menos insuficientemente os respectivos autores. Casos, por exemplo, de Camilo e Fialho, de Raúl Brandão e José Régio, em cujas obras muitos mais trechos havia – bastantes mais e bem melhores – por onde respigar motivação ou clima fantásticos. Isto para já não aludirmos sequer a casos pura e simplesmente omissos – alguns de palmatória como a ausência a que foi votado António Patrício, um dos mais fantásticos cultores do «fantástico» que já tivemos.
Os acertos de critério realmente não abundam. Tirando «A Dama de Pé de Cabra», de Herculano, «Uma Récita do Roberto do Diabo», de Júlio César Machado, «A Reencarnação Deliciosa», de Aquilino, «A Estranha Morte do Prof. Antena», de Sá Carneiro, «O Cágado», de Almada, «Regresso à Cúpula da Pena», de Rodrigues Miguéis, «O Gavião», de Tomás de Figueiredo, «Casa Mortuária», de Domingos Monteiro, «O Anjo», de Branquinho da Fonseca, «A Ritinha», de José de Lemos e, talvez «Pesadelo», de António Quadros, toda a restante inclusão averbada – que representa, aliás, a maioria esmagadora de páginas do compendioso volume – constitui clamorosa abertura de fronteiras à mediocridade.
Fernando Ribeiro de Mello, desde o momento em que não declarou reservado o direito de admissão literária, e antes se prestou a fazer «jeitinhos», a misturar alhos com bugalhos, dando aceitação a toda a sorte de menoridades, designadamente exercícios de redacção automática de terceira apanha, e consequentemente, figurantes de ultragésima extracção, malbaratou o ineditismo e traiu a validade da ideia que presidiu à copiosa recolecção.
Em última análise, a «Antologia do Conto Fantástico Português» revela-se pois uma falsificação chapada, onde a inflacção impera e a concessão campeia".

Ribeiro de Melo nem reagiu. E só se chateou quando o Cesariny aproveita o texto de Rodrigo Emílio para se lançar a ele. Aí foi o bom e o bonito. Zangam-se as comadres e descobrem-se as verdades.

Ribeiro de Melo lança um ataque frontal a Cesariny, num opúsculo intitulado "as avelãs de Cesariny", em que o ataca descabeladamente invocando a falta de "tomates" - as tais avelãs do surrealista, insistindo no seu lado comercial e homosexual, que à data era assunto muito mal visto.

"De Mário Cesariny de Vasconcelos, grande poeta surrealista-funcionário-Censor(1) do Jornal de Letras e Artes, ex-delegado-delegou-se do Breton para o Café Gelo, antologiador-surrealista-à-portuguesa, detentor de múltiplos pseudónimos-iniciais secretos e assanhados contra não simpatizantes, pintador-surrealista, pensador-pictural-Vieira da Silva, bolseiro em Paris, veraneante do Solar de Pascoais em Amarante, do de Ricarte-Dácio em Londres, dos direitos de autor dos antologiados quando como e onde lhe apraz, veio à luz um papelucho canto de cisne só e abandonado(2) pacientemente bordado de rameirices ronha raiva e ranho e muito menopáusico no qual se esquiva de Luiz Pacheco, morde os signatários de um já esquecido texto em defesa de Sade, diz que tem coragem e, num generoso gesto de modéstia (?), em lugar de «tomates» «umas avelãnzitas»(3). Mais diz que não quer ser Papa, nem sequer Pároco, que é igual em tudo ao A. de Campos (!), que os colegas surrealistas que o abandonaram são «meninos-pequeninos», que os textos não da sua lavra são uma merda, que qualquer professor conclui que os autores merda são, que no Jornal de Noticias, dito jornal de gralhas, não há direito de lhe porem o retrato em baixo (sem dignidade nenhuma) e dos outros em cima, que todos lhe têm tanto respeitinho que mesmo insultado-os eles ficam quietinhos(4), que aqueles que o lançaram literáriamente e a quem dedica madrigais sempre foram com seu documentado conhecimento uns denunciantes, que constata a miséria física e moral em que os outros se extinguem, que João Gaspar Simões lhe dá sempre razão, que está com ele, que Eduardo Prado Coelho também, que tudo se prova com um Sr. Luís Pignatelli, e que por tudo isto: é «nobre», é «cidadão», é «tribunal de consciência», é «luz da razão», é «a razão humana», tá fora da «restolhada».
Mas nada disso nos diz respeito, embora nos divirta. Já o mesmo não acontece com certa passagem do texto(5) da qual daremos um rápido esclarecimento aos leitores incautos do inquisitorial papelucho do poeta.
Assim, saibam quantos o leram que:
1.º - O nosso descatedrado delegado do Breton, Mário Cesariny, sabendo que eu contratara Herberto Helder para traduzir «La Philosophie dans le Boudoir» de Sade, corajosamente me propôs traduzir também a Correspondência do Marquês que ele mesmo prefaciaria para eu editar. Aceitei.
Mas logo entrou às arreCUas, acabando por desvinCUlar-se desse compromisso quando verificou estarem as autoridades judiciais a proceder ao levantamento de um processo-crime à Antologia de Poesia Erótica e Satírica Portuguesa, por mim igualmente editada(6).
2.º - O tão exigente e intransigente poeta, não obstante ter já vindo a público e conhecer a «edição idiota de «La Philosophie dans Le Bodoir», filha maneta de um comerciante excitado» – Oh! comercial lapso! Oh! comercial necessidade – tomou a simpática iniciativa de prometer ao responsável pela «autêntica associação de malfeitores»(7) dar-lhe proximamente para editar a sua preciosa versão das «Iluminações» de Rimbaud (?!)(8), filha dos seus maiores desvelos de tradutor e ao longo de muitos anos heroicamente defendida das mãos impuras dos comerciantes editores.
3.º - Que eu seja comerciante, para ninguém será motivo de espanto já que sou editor.
a) Que eu tenha sido comerciante com a edição do Sade, quando é do público conhecimento ter sido mais de metade da tiragem apreendida pela polícia, sendo obrigado a pagar pesada multa para remir a pena a que o Tribunal Plenário da Boa-Hora me condenou, é coisa só talvez possível ao inocente cérebro de M. C. que (ao que parece) dispõe de secretos e exclusivos processos CUmerciais.
b) Que M. C. me pretenda censurar, talvez ofender, a mim editor, por ser comerciante, ele escritor, é coisa que não esperava. A única censura que até à data me dirigiu foi numa Recensão Crítica(9) em que manifestava o seu desagrado pela qualidade literária de uma Antologia por mim publicada, no que está no seu pleno direito, longe de mim contestá-lo, até por significativo, como também não contestei o desagrado pela mesma obra manifestado pelo Sr. Rodrigo Emílio no «Diário da Manhã»(10), com quem o nosso «destomatado» Cesariny amigavelmente emparceira. Mas em qualquer dos presbitérios os desagrados (desagravos?...) nada clamavam de ordem comercial...
C) Inclusivamente, o juízo crítico emitido por este empreiteiro da moral literária e intelectual no início das citadas recensões era, ao contrário daquela com que logo me metralhava, muito precauto e desvelado. Nele bradava o seu agrado, mesmo apologia da sexagenária arte poética do autor de um “Manual do Libertino”, de nome António Pinheiro Guimarães, ao que se diz generoso mecenas dos quadros chulorealistas que o inCUrrupto Cesariny vai vender ao Porto.
Ora, tranquilamente, tudo me leva a crer que essa do «comerciante excitado», a não ser lapso, é o próprio espelho do tão íntegro M. C. de Vasconcelos.
4.º - De «um prefaciador em apuros» e de «um ilustrador a milhas de distância» é discutível e acima de tudo insólito, particularmente se considerarmos os actuais apuros de dignidade solitária das «avelãzitas» de Vasconcelos e a distância entre o que lhe convém a ele CUrial juiz e o que importava do Sade.
5.º - De «um tradutor merdoso que despacha para o preto que eu não sei quem é» é brincadeira, pela certa. Para além do muito que se poderia alegar, o tradutor foi a tribunal sem pedir os «tomates» emprestados ao Mário Cesariny das “avelãzitas”, coisa que se a este inquisidor já seucudeu, não foi certamente por causa e com «aqueles»... Por outro lado é brincadeira, para Cesariny, essa coisa de «pretos», dada a escravatura(11) deles que muitos sabem tem utilizado. E nós até sabemos quem são, ou foram. Aí vai um para lhe refrescar a imaCUlada memória: José Manuel Simões, na tradução de «O Vento», de Claude Simon.
E é tudo no que pessoalmente me importava desbaratizar o papelucho deste inesperado e só agora desoculto justiceiro.
Quanto ao «Tribunal de consciência onde editores, tradutores e prefaciadores deste género terão um dia de comparecer» este nosso insólito guardião dos bons costumes (que não quer ser Papa – diz que no Vaticano já houve um – nem sequer Pároco) de recente cátedra no Jornal de Letras e Artes (onde nos ensina Ortografia por causa do Jornais do Porto) pondo o dedinho moralizador em riste, mais parece um padreca, coisa desde há alguns séculos nem no Vaticano possível dada a necessária «verificação» dos «tomates». Padreca. Isso mesmo! Em concordância até quando, por qualquer esquisitíssimo transvio psicológico, em lugar de Luís diz «Luisona» e ao pretender barafustões é traído e sai-lhe «barafustonas».
Muito bem, Sua padreca!"
Lisboa, Julho de 1968 - Fernando Ribeiro de Mello

Não contente com isso encomenda a um amigalhaço um ataque a Cesariny por causa de Luís Pacheco, conhecido no Café Gelo pela Luisona...


Funções de Cesariny

Mário Cesariny de Vasconcelos, secretário do «Jornal de Letras e Artes», no exercício das suas funções de empregado escritor deste jornal resolveu suprimir arbitrariamente a crítica referente a «Textos Locais» de Luiz Pacheco, conquistando assim um posto policiário que o integra no senso comum e o reabilita definitivamente na ordem cultural daqui.

ou por outras palavras:

Sabia que foi poeta dos bons
Sabia que foi surrealista
Sabia que é também pintor
Sabia que se António Maria Lisboa
estivesse cá ele não era assim
Sabia que é estratega das letras e artes
Sabia que foi do Marquês da Sade
Sabia que mete a tesoura no Breton e até no Arthur Miller
Sabia da sua inclinação patriótica pela Vieira da Silva
Sabia que a Fundação Gulbenkian o queria
Sabia que está cadáver exquisito
Sabia que ganha a vida com surrealismo de cá
e lá por grosso e a retalho

Sabia mas achei sempre graça
Porque não sabia que ERA CENSOR

Agora que sei e por haver muitos
Comunico a sua recente profissão

Virgílio Martinho

Bem esta guerra ainda deu muito que falar. Rodrigo lá lhes deu mais umas para tabaco, Cesariny e Pacheco aliaram-se a RE para atacar o Ribeiro de Melo, mas o indivíduo lá foi ganhando a sua vidinha.

E era isto o ambiente cultural da esquerda lisboeta nos anos 60. Se não houvesse alguns vultos que nos alegrassem a vida (Tomás de Figueiredo. H Helder, Torga, Couto Viana, Navarro, e porque não já Rodrigo Emílio ...) era tudo uma pasmaceira descabelada que só visto.

3 comentários:

Anónimo disse...

daqui: www.editora-afrodite.blogspot.com

ricardo jorge

Anónimo disse...

Era por tipos como o Pacheco e o Cesariny estarem como censores ou inspectores de não sei o quê, que muitas das coisas que eles e outros do género escreviam passavam na...censura!! Felizmente!!!!!!

Miguel Rangel de Quadros

Anónimo disse...

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