sexta-feira, julho 27, 2007

O pipi das botas altas,

ou o
Herói de Massamá, na fabulosa visão de Amândio César

O HERÓI DE MASSAMÁ

para o Rodrigo Emílio,
que ficou longe, na Ibéria



Desembainhou o pingalim
o palhaço que na arena, em que escudar-se,
agitava um escudo de plástico
que aureolava uma órbita vazia...

Há tanto tempo, já, que o não fazia!
Um novo golpe, fácil e fantástico,
mal lhe dera tempo pra fardar-se,
e apertar o cinturão e o talim! ...

Saiu à praça, negro de medroso:
raiava um novo dia,
a uma nova luz,
a nova esperança:
ser o herói desta aleluia
sem passar pelo martírio da cruz
onde a turbamulta com o seu ódio
alcança ...

Saiu à rua e sonhou de novo:
herói de monóculo, os dedos no talim,
botões luzentes, bota alta envernizada,
uma boa escolta, bem motorizada,
e nas mãos, histórico, o pingalim!

O ar entrou de rompante no seu peito
mal dando tempo a ajeitar o cinturão:
- Sou general, sou um centurião,
esta Torre e Espada veio a tempo e a preceito!

Com o canhão da manga limpou o nevoeiro
que embaciava a venera veneranda:
- Eu sou o redentor, o carisma verdadeiro,
hei-de, outra vez, arengar às turbas, da varanda
daquele Palácio de onde me correram
apaisando como cão rafeiro...

Bota alta e espora niquelada
camuflado ou com boné de pala,
à paisana, o castão prateado da bengala,
ninguém meu garbo, minha arrogância iguala!

Olhou as horas: estava em atraso o espectáculo
que lhe tinham preparado uma outra vez:
ignorava como era ou quem o fez,
apenas lhe importava o tabernáculo...

A ampulheta do tempo esfumava-se em areia
e sem jeitos a vitória prometida:
se cavalo já comera toda a aveia
e aguardava o selim e mais a brida.

E ele ali, a esperança enraivecida
enquanto o tempo sôfrego corria ...
E ele ali: a cidade vivia mais um dia.
Lá ao longe o Tejo para o mar fugia...

E nada. Nada de vitória
enquanto nervoso, apartava o boldrié:
três vezes colocou o dourado boné
aguardando a decisão inglória.

Mais uma hora e outra; ... e era o fim.
Seu falhado sonho de aventura era fantástico:
sobrava, apenas, um monóculo de plástico
e um mole e embainhado pingalim!

S. Paulo 11 III 1975
Amândio César
(do livro País em Fuga, ed A RUA, 1977)

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