terça-feira, maio 15, 2007

lenine, estaline, racine...


Eu vou uma vez mais faltar ao prometido. Como os leitores recordarão eu disse noutro dia que não voltaria a falar sobre a apreensão de livros pelos colossos culturais.

Mas boas contas faz o preto ...

Mas eu conto. Tive um encontro (inesperado de todo) com um conhecido que já não via pelo menos desde os anos 80. Trata-se de alguém que pertence de alguma maneira aos quadros policiais (tanto quanto me recordo parece que é da PJ).

Conhecemo-nos nos idos de 74/75 no período quente e dele guardo algumas (poucas) recordações.

Bom a conversa do costume. Como vais? A Família? etc... Bom até aqui tudo bem.

Como ainda não tinha digerido a apreensão dos livros falei-lhe disso e disse-lhe do meu profundo desacordo com essa atitude policial. Retorquiu-me com uma conversa esquisita sobre o elemento probatório dos livros apreendidos, patati, patata! Foi a minha vez de contrapor dizendo-lhe, por exemplo, que se a polícia fosse a minha casa poderia incriminar-me de tudo o que quizesse: ou de comunista (de diversas facções e tendências), "fascista" (também de praticamente todas as facções), de anarquista, de democrata cristão, de socialista, etc. E se fossemos para os livros não políticos idem idem aspas aspas. Se me apreendessem livros de poesia podia ser acusado de tudo: desde pedófilo (livros de António Botto) até tarado sexual (diversos), e assim sucessivamente.

Mas a opinião dele mantinha-se. Decidi então contar-lhe uma historieta que me foi contada nos velhos tempos do Café Aviz.

Estória essa que eu vou compartilhar com os meus estimados leitores:

Um dia a PIDE resolveu foi a casa de alguém. Fez uma série de apreensões, nomeadamente de livros. O agente que procedeu a essa apreensão foi mostrar ao chefe (inspector?) o auto de apreensão. O chefe leu e ficou banzado. E perguntou ao agente porque tinha apreendido livros de Racine. O agente não se descompôs e disse: "olhe Lenine, Estaline e Racine é tudo a mesma coisa!".

Bom como o chefe era um homem inteligente e culto mandou imediatamente devolver os livros (entre os quais os de Racine) aos legítimos proprietários. (e deve ter dado umas boas gargalhadas...)

Bem o meu conhecido ficou na mesma. Não percebeu a piada. Encolheu os ombros. E por aí ficou a conversa.

Conclusão desta conversa. Todas as polícias são iguais. O nível é igual cinquenta anos depois. Só que agora não há nenhum chefe inteligente e culto como havia (alguns) no tempo da pide.

NB: Para os colossos culturais que não perceberam a piada passo a explicar que Lenine e Estaline são dois comunistas que foram muito importantes para o movimento comunista internacional. Viveram a cavalo entre o século XIX e XX. Racine, Jean era um francês, autor de peças teatrais que viveu no século XVII. Assim já percebem?

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