terça-feira, agosto 07, 2007

Pequena sonata para piano e pescoço


... ou a paranóia dos "exílios".

Um dos aspectos mais caricatos dos exílios é a paranóia que se instala entre os que os sofrem.

Garanto-vos que não estava preparado. Quando se está no exílio perde-se (bastante) o contacto com a realidade e assistimos a situações que (de tão caricatas) nunca por nunca o ser as julgavamos possíveis.

Uma das situações que mais me custou a ultrapassar (no meu caso) foi a falta de vivência diária da situação. O não saber como as coisas corriam (na realidade) ou ver com os nossos olhos as reações dos envolvidos deixa-nos num estado de tensão muito grande. Sim porque uma coisa é receber relatórios ou visitas outra é viver o dia a dia. Mesmo as fugazes deslocações a Portugal não me davam a perspectiva real do que se estava a passar. Numa situação revolucionária é necessário viver o momento, caso contrário podemos ter uma noção errada do que estava a ocorrer.

Mas adiante. Todo este intróito tem a ver com o meu postal anterior em que falava de umas ameaças de morte feitas logo no dia imediato a eu chegar a Madrid.

Vale a pena contar só para revelar o espírito que se vivia entre diversas pessoas. O que me valeu foi ter o Rodrigo Emílio como companhia diária para escapar à parvoeira instalada entre certa gente.

Pois o nosso homem (da direita dos interesses) que tinha sido de um tal Partido Liberal resolveu (por estar com uns capangas e gostar de mostrar que era muito homem - andava com um 9 longo á cintura) ameaçar-me com uma corda de piano à volta do meu pescocinho visto ser "amigo" do "pêpê. Apesar de estar desarmado e sozinho (e com o meu mau feitio da época) estive vai não vai para me atirar a eles. O que me valeu foi a necessidade imperiosa de transmitir ao Rodrigo as últimas. Lá me aguentei conforme consegui e sem reagir.

Mas que cá ficou, ficou.

Passados uns tempos estando eu na zona de Aluche (arredores de Madrid) visitando um camarada espanhol (que muito nos ajudou) com quem é que eu dou de caras. Pois com o "pianista". Para quem não conheça, Aluche, na época, era quase um descampado. Estava ainda a ser feito o parque "Arias Navarro". Aproveitando o facto resolvi logo ali desafiar o nosso homem para interpretarmos (em conjunto) a tal sonata para piano e pescoço que o rapaz tinha tentado executar uns tempos antes.

Foi um problema dos diabos. Ele bem sacou da 9 longo (arma demasiado grande para se ser rápido) e logo ficou sem ela. Resultado sem a "pistolita" (e sem os capangas) o rapaz deu às de vila diogo. Nunca mais o vi. Aliás minto, pouco antes do 25 de Novembro, vi-o de novo. Desta vez nem esperou e saiu logo pela esquerda baixa (ou seja fez uma ofensiva à Spínola ...).

Ou seja misturar a direita dos interesses com a direita dos valores dá sempre (ou quase sempre) mau resultado. Foi esse um dos principais problemas do pessoal que estava em Madrid. Tirando um ou dois casos pontuais a gente da direita dos interesses estragou mais do que ajudou...

Hoje o nosso "pianista" é do PSD, depois de ter passado pelo CDS. Enfim o costume.

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