terça-feira, outubro 02, 2007

BRASILLACH E A SUA OBRA – 3/8

Na realidade, como nota o mesmo autor, Brasillach estava a entrar na curva definitiva da sua vida literária. E os seus romances vão-se adensando, vão-se tornando mais rigorosos, por vezes até mais melancólicos e mais tristes. O jovem que se entusiasmara a baralhar as pistas da acção e da inovação técnica ia consciencializando a sua vocação de romancista. Vejamos o caminho que seguiu a partir daqui.
O segundo romance da sua juventude consegue ser um belo depoimento sobre a adolescência e o tomar de consciência perante um mundo que se adivinha. Bem certo que a acção volteja em torno de Isabelle, Daniel e Laurent — os três jovens estudantes à procura de um destino que realize os seus sonhos num mundo que há poucos anos saiu de uma guerra —. Mas há também os belos tipos populares como o Pére La Frite, a Marie Lepeticorps — destino de uma mãe frustada — e o Rustique, velho professor. Há as grandes evasões ao parque de Montsouris e as conversas de Isabelle, a descoberta do rapaz que se parece com o Kid criado por Jackie Coogan (ídolo da época) e os dois rapazes que este descobre e que darão à acção um duplo figurativo: preencher a maternidade frustada de Lepetitcorps, levantar o problema da falsa filantropia e desaguar depois no crime num desmentido a todos os sonhos que alguém depositou neles. Nos dois colegas que acompanham Isabelle, Laurent é o homem de acção e nele se verá sem dificuldades o Brasillach desse tempo. Depois, uma certa melancolia a perturbar o fim da adolescência na réfuse de pense dans un Kid de vingt ans. É um romance feito de pequenos bocados poéticos, de pequenas evocações líricas, de análise bem marcada a um certo tempo, a um certo bairro, a uma certa população típica que não se esquece mais nem jamais passa da memória sentimental. Pode dizer-se que é o romance da juventude que ainda não entrou no baptismo de fogo. O quotidiano dá ainda margem para sonhos. A própria filosofia popular dá uma lógica coerente ao desengano da Lepetitcorps depois dos rapazinhos por ela protegidos serem identificados como criminosos. De nada valeram os trabalhos de Isabelle, de Laurent e de Daniel para os salvar da vala comum, da origem de miséria. Eles perdem-se de nós, como aliás se perdem todas as coisas da vida. Juntos seguem apenas Isabelle e Daniel, aquela com as rosas vermelhas mais belas que tinha Sandrine, a vendedeira do mercado das flores. Na noite parisiense fica apenas Laurent, que deita a moeda ao ar perguntando ao destino qual seria a sua sorte: cara ou coroa? Mas não tem coragem de abrir as mãos para saber qual seria a resposta do destino agora que estava sozinho diante da noite. É, como se vê, um romance de destinos juvenis misturados com uma população que hoje já não encontraremos. No ar das últimas páginas fervem já os fermentos da Frente Popular, a juventude vai tomar posição.
Antes disso, porém, creio oportuno marcar uma vez mais o interesse deste romance não só dentro da obra do seu autor, mas ainda na literatura francesa dessa época, desse momento. Sirvo-me da anotação de Pierre-Henri Simon na Histoire de la Littérature Française au XXème siècle, II volume, que abrange o período que decorre entre 1900 e 1950. Afirma o crítico francês: “En attendant, on comprend la méfiance des écrivains prolétariens pour les romans populistes écrits à l‘intention des lecteurs bourgeois et qui tendait trop souvent à confondre la bassesse des conditions avec la banalité des caractères. Aussi bien, les meilleurs romans populistes ont-ils été souvent écrits par des romanciers qui préfèraient le substantif à l‘épithète: d‘autentiques romanciers capables d‘atteindre et de rendre dans les êtres les plus simples la profondeur des sentiments humains dans le décor d‘une rue un parfum de poèsie. Tels le Van der Meersch de Marie, Fille des Flandres, et du Peché du Monde, le Jean Prévost des Frères Bouquinquant, et le Robert Brasillach de Le Marchand d‘Oiseaux (qui écrivait, disait-il ses "petits récits sur le Paris populaire un peu en marge de René Claire, c‘est-à-dire dans la nouvelle lumière du cinéma poètique")”. Como se vê, ao procurar-se a fonte ou a melhor documentação para romance populista em França, depara-se-nos ainda o nome de Robert Brasillach como um dos três escritores representativos desta corrente renovadora, ou, pelo menos, que tentava novos rumos para a ficção em prosa. É a melhor prova de autenticidade de um sentido romanesco em construção.

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