quinta-feira, outubro 04, 2007

BRASILLACH E A SUA OBRA – 7/8

Marco intencionalmente esta data. Porque representa o fim da juventude? Porque representa um viragem na vida de Brasillach? Porque a partir dela se abrem perspectivas novas? Talvez isso tudo e ainda mais: a mudança de temática que vai deixar de ser uma crença absoluta no destino para se lançar na frustação e no desespero da solitude. Vejamos esta observação de Bernard de Fallois a propósito do romance que se segue a Les Sept Couleurs.
Ao ligar o primeiro romance de Brasillach ao último, Six Heures à Perdre, diz o autor: “Entre le jeune homme qui nous quitte pour entrer dans le cimetière de ses parents à la fin de son premier recit, Le Voleur d‘Etincelles (romance que Brasillach classificava desta maneira pitoresca — pseudo-roman, album d‘images de mon pays méditerranéen — como o assinala André Brissaud) et la jeune fille qui nous sourit à la portière d‘un wagon de la guerre, dans les dernières pages de Six Heures à Perdre (à quoi sentons-nous que nous ne les reverrons jamais, que c‘est Brasillach lui-même qui nous dit adieu), près de quinze ans se sont écoulés, une destinée s‘est jouée dont nous pouvons, de l‘un à l‘autre de ses romans, suivre la courbe”.
A explicação ou a descoberta marquei-a eu ao explicar a evolução do seu romanesco. Mas sinto-me bem acompanhado, quando me não sinto sozinho de todo, ao fazer afirmativas sobre um terreno quase virgem. Sim: alguma coisa se aproximava do fim ou percebia que o fim estava próximo. E isto explicará mutações de desenvolvimento na temática que surge no penúltimo romance, La Conquérante.
Repare-se que a temática de Brasillach evoluía dentro de uma adolescência que se ia descobrindo e revelando no dia a dia. O interesse tinha sempre três faces fundamentais: uma rapariga e dois jovens, diante dos quais ela tinha de optar. Ora, a rapariga optava sempre contra a miragem, nunca supondo que ela voltasse mais tarde a ocupar lugar na sua vida. Na trama psicológica e dramática de La Conquérante não sucede assim. E volto a citar Bernard de Fallois: “Et c‘est ici qu‘aparaît le motif cornélien qu‘on retrouvera plus nettement encore, puisque l‘un des protagonistes meurt, dans La Conquérante, non sans une modification subtile toutefois, puisque c‘est le plus solide et le plus réel des deux jeunes gens qui disparaît, et le jeune séducteur qui subsiste”.
E isto contrapõe-se a todo o passado temático dos romances de Brasillach onde “presque toujours nous y voyons une jeune fille hésitant entre deux jeunes, dont l‘un représente le vertige de l‘adolescence fuyant, l‘ivresse d‘un bonheur entr‘aperçu mais insaisisable (c‘est um militaire, dans Comme le Temps Passe et dans La Conquérante), tandis que l‘autre lui offre l‘appui solide et les constructions durables d‘un univers plus réel. Et presque toujours c‘est celui-là que la jeune fille choisit, et au bout de quelques années voit revenir l‘adolescent d‘autrefois, pour "tenter" celle qui a préféré le mariage, et tout ce qu‘elle avait édifié s‘écroule alors longtemps”.
Está pois marcada a diversidade do comportamento, para chegarmos ao fim da análise à obra de romancista de Robert Brasillach. O adolescente não morrera nele, mas o homem adulto e amadurecido tinha tomado o seu lugar. As preocupações do quotidiano tinham roubado beleza e encanto à vida. A guerra é agora o motivo dominante e todos lhe estão presos — ou dela e do seu desfecho dependem —. Eis porque se compreende a observação acima citada do adeus à beira de um comboio de guerra. Era realmente uma despedida, uma despedida em definitivo. Por isso se pode chamar a este romance, Six Heures à Perdre, o romance da solitude. O estilo atraiu a si um poder mais vasto de dramaticidade; o opaco do tempo, o cinzento das horas, o abandono de tudo, a fauna que já não é pícara (como anteriormente era) e a sensação de abandono, de se ser sozinho e único, dá-os Brasillach com uma emoção, um rigor esquemático, com um abandono de supérfluos, com uma autenticidade verdadeiramente dignos de reparo.
O texto surge na primeira pessoa, denotando um profunda experiência pessoal. Trata-se de um prisioneiro que regressa com a sua farda coçada de um campo de prisioneiros na Westfália e que tem de viver seis horas em Paris à espera de um comboio que o há-de levar para outro sítio qualquer. A confiança no futuro esboroa-se diante de uma Paris diferente, diante de uma Paris ocupada. A data desse encontro é 1943 e o prisioneiro que regressa sente até ao cerne a sua solitude. Estranha o café que tem para beber, estranha o clima em que se arrastam os seus passos e só há uma solução: fazer alguma coisa, tentar dialogar com alguém. É assim que se lembra do seu caderno de apontamentos de moradas e é este que vai levá-lo até uma casa suspeita, meio pensão, meio casa de passe, a cuja dona, Madame Bizard, vai pedir informações. Que informações pedia? Apenas saber o destino de uma rapariga, Marie-Ange Olivier, para quem um companheiro de prisão mandava recados, mandava saudades, prometendo continuar o sonho que tinham iniciado antes de cair prisioneiro das tropas inimigas.
Só isto. E isto vai ser o motivo do romance. Pois é a uma passagem acidental de um homem na vida de uma rapariga que se vai seguir todo o entrelaçado da França ocupada, onde a guerra no Leste despertou o súbito aparecimento das actividades comunistas — até aí inertes — onde o mercado negro passa a organizar-se em autênticas troupes de exploração comercial em grande, onde os produtos que faltam são o incentivo ao engajamento nos diversos gangs. Marie-Ange desapareceu quando o prisioneiro regressado a procura. Este frente a frente na pensão/casa-de-passe é monumental de aticismo, de maneiras de estilo.
Depois, há o encontro com o inspector Gillier que também procura Marie-Ange... mas por outros motivos. E o tempo passa, as seis horas que vão ser perdidas tornam-se mais curtas. O prisioneiro vai seguindo o seu rumo: procura mesmo o seu antigo restaurante escolar. Sente-se só, tremendamente só, quase como aquele jovem oficial alemão que lá almoça também. Depois, há a sua passagem pelo Jardim do Luxemburgo, um Luxemburgo diferente dos seus anos escolares. E voltam as recordações do campo de prisioneiros, inclusive do Gilles, de Drieu La Rochelle, que o seu companheiro Berthier levara consigo. O prisioneiro-liberto regressa a casa de Madame Bizard e desta vez encontra Marie-Ange. É um encontro penoso ou um encontro alegre? É sobretudo o fim de uma dupla solidão. E então ele sabe o seu drama, aquele drama que não poderá contar ao seu amigo distante do campo de prisioneiros. Marie-Ange, que fora casada, que tivera um filho, que vira morrer o filho pela maldade do marido, era aquela mocinha que estava diante de si com a acusação de ter matado (ou pelo menos a suspeita) um tal Hooten que estava metido em câmbios negros vários. E assistimos ao confessionalismo da história. E compreendemos até as razões profundas da morte que ela deu a um homem que todos supunham seu amante, a um homem que fora seu marido e que lhe crucificava a vida para além da separação. É o crime justo ou a morte justa? Talvez... Mas representada numa época em que todos os valores morais viraram de sentido, ou então perderam todos os sentidos. E sentimo-la com as mãos puras apesar de ter disparado sobre o homem que fora a causa da morte intencional de seu filho, um filho que fora dele também e que ele odiava. Quando saem os dois do quarto de Madame Bizard, sente-se que o que fica para trás ficou de facto para trás. Sente-se que, ao despedirem-se, nunca mais se verão. Que ele vai continuar a sua vida a caminho de um destino ignoto; que ela vai voltar aos grupos juvenis de comunistas, talvez procurando Cresnay, que é a aventura do desconhecido (um Cresnay que seu marido denunciara à polícia), ou então esperando Brenno Berthier, que é a floração da esperança, o sonho longínquo, o concreto já realizado ou o realizado à espera de concretizar-se para sempre. O seu adeus — o mútuo adeus — é também o regresso à solitude, o regresso a ficar cada um sozinho com os seus problemas, com o seu destino incerto.

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