sexta-feira, outubro 19, 2007

“Mas dói, isso é que dói...”


Conforme prometido aqui vai a Elegia - Gazetilha de Vitorino Nemésio (nome de remédio como ironizava o também Poeta Mário Beirão).

Qualquer dia ainda me atrevo e faço uma compilação dos “Poetas e o Fim Histórico de Portugal”. “Eles” ainda vão ter grandes surpresas...

Mas, entretanto, deliciem-se, fazem favor:

“Vamos a ver se antes de morrer já morro menos,
Hoje 16, da dor e do cansaço
E, senão às duas coisas, pelo menos
À segunda, que o tem, lhe tiro o “aço”.
Cansa (que alivio das três letras!)
Comer, dormir, rezar: MFA,
PPD, CDS, PCP...
Francamente, porque não pelas finais?
Assim, como na álgebra, teríamos:
OSS, ORO, OOL, OAS
E, com mais ós, mais zeros aparentes;
Em Portugal tudo adoece,
Estamos todos doentes
(e esquecia o PS),
Na força do cansaço e dos plurais,
Chego a pensar a qual hei-de aderir:
Mas como “pluralismo” e “pleurisia”
Tudo tem “pl”, e eu estou com a neura,
Não adiro a nenhum:
Aderência é da pleura.
Só estou muito cansado,
Muito cansado ...
Vou-me encurtar em VN
Que dá para as duas coisas: o meu nome,
E envenenado. VN – nado
Na divina fome:
Antes nunca nascesse abreviado!

“Meu Portugal, meu berço de inocente
Lisa estrada que andei” até Leiria:
Oh quem não fosse gente,
Maçã de Dona Maria!
Alem de que, cantar a quarteto é uma chatice
E poeta velho não adianta,
Nada disse.
Esta tristeza é que me mata:
Nacional sem Nação
Nem já razão de a ter
Não tanto porque falte Angola
Mas porque nada me consola
E tudo aos Açores vai ter.
Lembro-me de Moçambique,
Onde estive uma noite afroindolusa, na ilha,
Já lá não estava Camões com o Diogo Couto
Mas era uma maravilha:
As mulheres listadas,
As casas amareladas,
As lanchas amarradas,
Um ar de Alfama nas janelas
E postigos:
Que boa terra pra “viver de Amigos”!
Mas chegou a FRELIMO e o Samora Machel
E eu sinto-me cansado, retornado,
Colonizado e cruel.
Olha nem português nem coisa alguma.
Meia dúzia de siglas num pedaço de papel,
Caravelas de espuma: MFA, CDS, PPD, MDP-CDE, PCP ...

Nem português, nem vátua, nem monhé,
Maometano ou cristino.
Há lá maior desgraça: homem que não sabe quem é!
Há lá mais triste destino.
Cruel aceno:
Só perguntando à Comissão de Moradores
Que é dela, o Poder Popular
E ir para o Campo Pequeno
Na defesa,
Mesmo que não veja anúncio
Fugir das “boas mãos” do Mouro de Veneza,
Mesmo correndo o risco de passar por uma besta,
Com ajudas e olés do pobre João Núncio,
Que tendo os cavalos mortos precisou de cavalos emprestados
(Ofereçamo-nos a Deus nesta metamorfose),
E, enquanto ele ganhe a sua vida a salvo da trombose,
Salve as nossas peles e a dele.
(Pois ainda aqui há alguma? Pátria ou pessoa?).
Eu puxo pela minha.
Eu, o amigo pessoal de Matibejana,
Régulo de Zichacha,
A quem paguei cachaça,
Eu que conheci o Gungunhana
E com Zichacha matei coelhos no Monte Brasil
Com uma bilharda, zás, no sítio da otite média,
Antes de saber ao certo que este mundo é uma comédia.
Afinal para hoje, ainda a pau, não desarmo,
Estar sujeito à G3 da Dª. Isabel do Carmo,
E se não for o nosso Coronel Jaime Neves
E o nosso Capitão Salgueiro Maia,
A pena, rapaz, com que escreves
Talvez cara te saia.

Triste fim do Leão da Gorongosa,
Escoiceado por um burro na Graciosa ,
Que é lá das minhas ilhas quem os tem mais sonoros,
Mais bonitos de felpa ...
Eu que já vi elefantes maiores do que Chaimites
Destroçarem baobás como quem colhe clematites
E vi o pantanal roncado de repente de hipopótamos,
Antílopes coroados em solteiros
Enquanto os Hiperpótamos que vão de helicópteros ao hold-up
Lestos, nas Embaixadas, empunham as taças de cup.

Eu. Que casei há cinquenta anos com a filha do
Antigo ajudante do General Pimenta de Castro,

O da “criminosa ditadura”,
Para que o Pai, republicano de antes quebrar que torcer
Me habituasse a compreender
A linha um pouco dura
E o recta-pala bater
Dos operacionais do Conselho da Revolução,
Na Igrejinha de Celas casei, sem nada de castrense,
Mistérios militares do coração
Que já nem soldo vence!
Agora o terço superior da escala,
Que para ele valia quase um posto,
Não vale dois galões engolidos na encala
Que devia trazer o sangue ao rosto.

Se eu aderisse à CP,
Com 50% todos os dias, Sem pagar o bilhete, já se vê,
Como os soldados desenfreados?
Era uma ideia ... Alma aderias
Aderias aos pouca-terra da Pátria
Que já foi
Em melhores dias.
Ah verso, quanto alivias!
Mas dói, isso é que dói...
Dói de raiz!

Hoje é o que tenho para dar ao meu país:
Esta pequena flor de fel,
Que lhe dedico, meu Coronel.”

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