Isto vem às catadupas. Recordo Rodrigo, Conde Veiga, Soveral e logo, logo vem Goulart à minha presença! A “moribundar-se” impotentemente há mais de três (longos) anos numa agonia que não merecia. Mas não merecia mesmo! Mais valia que tivesse ido como o seu grande Amigo Ernesto Sampaio.
Como o recordo, como sinto falta do seu génio, do seu mestrado, da sua vizinhança, da sua amizade!
Aqui já não há memória que aguente. Tenho de consultar os meus papéis. E escolher um texto:
Pois junto o útil ao agradável: vai um texto sobre o nosso Brasillach (de que Conde Veiga nos falava no poema anterior) e que também é uma minha homenagem ao Homem de Teatro que sempre foi o nosso Goulart. É isso mesmo:
BRASILLACH E O TEATRO
Há cinquenta anos foi assassinado um dos maiores autores franceses do nosso tempo. Há cinquenta anos as balas matavam Brasillach e, como assinalou Marcel Aymé, “a nossa vida, agora que ele já aqui não está, é como descolorida paisagem”, porque “ele nos trouxera a alegria, guardava-lhe o segredo”. No entanto, a sua obra continua viva, cada vez mais se ilumina, intensifica, enriquece de significado, servindo de alimento e de luzeiro e de fortaleza e de apoio às novas gerações. À medida que nos debruçamos para o que ele escreveu, descobrimos a rara qualidade da sua obra, a palpitação fraterna que a impulsiona, o senso poético que a trespassa, a finura psicológica que a desenha, a inteligência, a harmonia, a forma delicada e firme em que ela se realiza. E, depois, encontramos ali o melhor e o mais profundo de nós próprios, vemo-lo na fidelidade à permanência e na vibração renovadora, activa, comungamo-lo na actualidade e no actualismo, no desejo de pureza e amizade, reconhecemo-lo na juventude constante e no louvor da sabedoria.
Brasillach foi romancista, poeta, crítico, dramaturgo, cronista, jornalista, doutrinador, homem de acção. Escreveu sobre literatura, cinema, teatro, os vários acontecimentos da sua época. E em tudo deixou a marca de uma personalidade exemplar e não apenas significativa, foi e é, não um simples sinal dos tempos, mas um de nós e um nosso condutor. Esta dupla qualidade de companheiro e guia, esta vitória de nos exprimir, de se nos comunicar e ter sobre nós uma função formativa, estabelecem-no como um verdadeiro autor no sentido original do termo.
Graham Greene observa que o teatro, especialmente um teatro como o de Shakespeare, teatro alquímico, está ligado a épocas conturbadas como a nossa. O teatro, realmente, é conflito, drama, obra agónica, debate. Poderá Robert Brasillach entender-se com isto? Terá sido ele um homem de teatro? Ao observarmos a sua vida e ao lermos a sua obra, concluímos que sim. Como foi possível, então?
Brasillach sentia com percepção aguda e subtil os cortes do tempo em geral e os retalhamentos da sua época em especial. Ele tinha a consciência da caducidade, sabia como o tempo passa e sofria pelas divisões e pelas lutas. Mas o seu ideal de harmonia e permanência manifestava-se na afirmação, na vivência, na obra de juventude e amizade. Sem ignorar os conflitos, sem se lhes furtar, quer ultrapassá-los, conhece que a essência e a resolução de tudo estão no amor e na graça. A sua nostalgia de infância transporta-se e transmuda-se em apetite de futuro. Como notou Henri Massis, “num mundo onde se desenrola a cadeia das revoluções e das guerras, Robert Brasillach não queria, no entanto, senão pensar no futuro, naqueles que viriam, que um dia haviam de ter vinte anos”.
Brasillach vivia e insuflou na sua obra as limitações, as divisões, os golpes, as perdas, as dores, os males da natureza e da História, metafísicos ou físicos, mas tornados psíquicos, imprimidos e expressos na alma humana. Este realismo que dá uma leve respiração melancólica ao que escreveu este reconhecimento das oposições, conduz-se, porém, ao optimismo e busca a felicidade, a alegria em que acredita de que fala, que constrói sem desfalecimento. Como o Génesis, como Stº Agostinho, como o Cristianismo, ele sabe que o mal entrou no mundo, mas que tudo quanto Deus criou é bom. Em toda a Paixão está subentendida e triunfante uma florida Páscoa de ressurreição. O problema e o dever é reencontrar para além dos golpes a saúde, a inocência e a sabedoria, o equilíbrio terrestre e perdido. Brasillach acredita no nascimento daquela palavra que “é frágil”, mas que ele quer ver “inscrita nos corações dos homens” e que se chama felicidade. Compreende-se, pois, que ele se tenha referido ao “seu fraternal adversário” que ele tanto tenha falado em amizade e a louvasse maravilhosamente.
O teatro é debate, mas o conflito há-de ter um desenlace, uma justiça que traz uma paz. Com a vontade e o coração, com a sua energia ordenadora e o amor, vai-se construindo o equilíbrio e a paz. Por isso, encontramos no seu teatro, como nas suas críticas teatrais, como na sua actividade ao teatro ligada, como em toda a sua obra, aliás, a presença da vida real, mas o seu domínio também numa consecução de forma, tanto que a obtém calma e ágil límpida e sensível, perfeita imagem da perpétua criação e da esperança, da rectidão e da alegria, enfim, da juventude.
Goulart Nogueira
Sem comentários:
Enviar um comentário