quinta-feira, setembro 06, 2007

Les deux etendards


Conheci Rebatet num dia de chuva do final dos anos 60 (Maio de 68 já tinha passado). Foi-me apresentado por Dominique de Roux. Visitei-o na sua modesta casa. Hoje sou incapaz de precisar sequer a zona de Paris onde residia. Males da idade.
O fito da minha visita. Conhecê-lo, é claro. Depois tentar perceber o que se tinha passado nos anos 30 e 40 em relação ao catolicismo na Europa. Depois falar com alguém que tinha passado mais de 100 dias com as grilhetas nos pés, aguardando o cumprimento de uma pena de morte. E que viu partir tantos e tantos nos longos corredores de Fresnes. Precisava perceber o que sentia um Homem nos últimos momentos de vida. Depois, ainda, perceber a sua conduta no julgamento e posterior condenação. Depois ainda falar do "Les deux etendarts".

Ou seja eu queria tudo. Inconsciência de um jovem. Tive direito a cerca de duas horas de visita. Para pouco deu. Mas bastante retive dessa conversa.

Estive face a face com um homem discreto, com as mãos disformes por um reumatismo galopante. Curioso: desejou logo saber notícias de Portugal e de Salazar. Muito pouco à vontade. Se era uma entrevista, perguntou-me de chofre. Que não, era um jovem que o queria conhecer, foi a minha resposta.

Falou-me, quase sem interrupções do ambiente literário francês de entre as guerras e da ocupação. Falou-me de Céline e da sua linguagem ferina em Sigmarigen, igual, ao fim e ao cabo, à sua linguagem literária. Admitiu ser um escritor maldito. Sim - referiu-me - eu fui partidário, até à última hora do nacional-socialismo, "e da espécie mais frenética". Sobre o seu comportamento após prisão disse-me apenas que os factos tinham sido empolados e que não foi - na totalidade - o cobarde que ainda hoje o querem fazer. Justificações nenhumas.

Falou-me das últimas horas/minutos de alguns seus companheiros de infortúnio. Dos cantos dos condenados à morte quando viam partir mais um a caminho do fuzilamento. Das visitas que recebiam de "jornalistas" e "outros convidados" para verem pobres Homens, com grilhetas nos pés, andando de perna aberta ("como um vulgar doente de gonorreia"). Era o gozo da altura...

Falou-me do sacrfício da sua geração, do que era a França entre as guerras. Perguntou-me se eu tinha lido "Os Escombros" . Como lhe disse que sim referiu-me que tudo o que lá estava era correcto. Que aquilo era a França. Com a corrupção, os comunistas e seus aliados (idiotas úteis), com a desordem. Com uma Igreja esclerosada. Com o fim das tradições da velha França. Mais me disse que um dia, no Rivarol, desafiou os seus adversários a confessar os seus erros, porque assim também ele o faria.

Sobre os Dois Estandartes revelou-me que foi graças à sua mulher que o livro não foi destruído. Estava quase pronto. Acabou-o na Prisão de Clairvaux, depois de pelo menos 2 anos de separação do manuscrito (tempo que demorou a dactilografar).

Só em 1949 conseguiu ler o seu livro (mais de 2.000 páginas dactilografadas). Foi publicado em 1952, ano da sua libertação.

Sobre a sua relação com o catolicismo, disse-me, lê o livro que vais perceber.E à guiza de resposta final apenas me disse: olha que o nacional - socialismo foi o maior perigo que a Igreja Católica viveu desde Roma. Pela primeira vez houve a possibilidade - bem real - da mudança de uma religião dos escravos por uma religião dos Homens. E isso "eles" bem perceberam.

Não tive oportunidade nem tempo de falar mais. Despediu-se. Nunca mais o vi. Mas já o reli. E recomendo-vos que o (re)leiam.

3 comentários:

Flávio Santos disse...

Que privilégio para si poder conversar com Rebatet!
Não falaram da "questão judaica"?...
Sobre a "cobardia", Jean-Herold Paquis faz um retrato nada abonatório de Rebatet durante o êxodo para Sigmaringen, que roça o anedótico. Não sei se será verídico o quadro, complementado de resto com gozações a propósito da pronúncia de Mme Rebatet, ao melhor estilo xenófobo-francês. A propósito: com que opinião ficou da impecavelmente fiel Véronique?
Obrigado por partilhar estas memórias.

josé carlos disse...

Não falei do seu anti-semitismo porque ele já o tinha abjurado, No entanto quando se abordou o período de entre as duas guerras e Les Décombres ali veio o ataque aos capitalistas e judeus (en passant, sem de dar ao trabalho de precisar).
No capítulo da cobardia pensava mais nas sessões do julgamento que li no "proces verbal". Revelaram, na minha opinião uma falta de carácter. Mas quem sou eu para julgar alguém que estava prestes a ser condenado à morte. Nesse campo pouco adiantei. Só tenho pena do brevíssimo tempo que estive com ele. Duas horas é igual a zero. E a propósito. Quem nos atendeu a porta e nos conduziu, no final, à porta, no seu robe de chambre, foi o próprio.

josé carlos disse...

Outra memória acabadinha de chegar. Segundo ele foi Claudel que interferiu junto de Auriol para ele não ser fuzilado. E foi graças ao facto de ter dado muita bordoada em Maurras no Je suis Partout (Maurras era o ódio de estimação de Claudell...)